A imigração alemã representou um significativo afluxo populacional para
o Brasil, principalmente para a região sul, onde se instalaram e constituíram suas
comunidades, nas quais buscaram manter viva sua cultura.
Esse afluxo migratório incentivado pelo governo no período entre o final
do século XIX e início do século XX, teve durante o Estado Novo (1937-45), com a
implantação do ideal nacionalista do governo de Getúlio Vargas, seu maior revés,
pois as comunidades de imigrantes, tidos por inassimiláveis, representavam uma ameaça
ao projeto nacionalista de Vargas.
Com o crescimento do partido nazista na Alemanha e a escalada da violência
na Europa, as comunidades alemãs no Brasil foram afetadas diretamente pela propaganda
do partido nacional socialista, que via nessas comunidades grande potencial para
o crescimento de sua ideologia no país, uma vez que aqui existia grande quantidade
de alemães, o que contribuiu para o surgimento do “Mito do Perigo Alemão”, amplamente
explorado e difundido pela mídia, nos tempos da Segunda Guerra Mundial.
Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, os alemães-brasileiros
passaram a sofrer grande repressão do governo, da população “nacional” e da própria
mídia, que fomentava e alarmava a população, taxando-os de “inimigos da nação”.
Até 1938 o governo de Getúlio Vargas colaborou com o governo alemão, inclusive
com a própria GESTAPO, quando foi acertado treinamento de policiais brasileiros
naquele país. Em retribuição, o governo brasileiro entregou aos nazistas comunistas
e judeus alemães residentes no Brasil, como Olga Benário, Erna Krüger, Elise e
Arthur Ewert. Desta forma, parece que Getúlio estava muito mais próximo de apoiar
o Eixo que os Aliados, na grande guerra que se aproximava.
O interesse alemão no Brasil alarmou o governo norte-americano, que buscando
manter sua hegemonia comercial com o Brasil, também ampliou seus acordos comerciais,
facilitando a entrada de produtos brasileiros em seu país. Portanto, essa situação
agradava muito a Getúlio Vargas, que ganhava dos dois lados e aumentava sua capacidade
de barganha junto ao governo dos Estados Unidos, que viam no crescimento da participação
econômica alemã na economia brasileira, uma grave ameaça a sua hegemonia na região.
As relações entre o Brasil e a Alemanha começaram a ficar tensas somente
após a decretação do Estado Novo, particularmente após a Intentona Integralista20,
ocorrida em 1938, quando várias medidas governamentais passaram a limitar a livre
divulgação dos ideais políticos do nacional-socialismo e a manutenção da homogeneidade
cultural teuta no Brasil.
O governo getulista, anteriormente à entrada
do Brasil na
guerra,
já vinha realizando uma política de contenção de
grupos pró-nazistas no país. Estes grupos foram monitorados pelo principal instrumento
repressor do governo: a polícia. Em 1938, esses grupos tornaram-se ilegais através
do decreto nº383, a partir do qual qualquer reunião de alemães em clubes
e agremiações passou a ser vigiado,
sendo suspeito de atividade de “quinta-coluna”, passível de forte repressão
policial, com grande risco de prisão.
A fim de diminuir a influência e a forte resistência à assimilação por parte
das comunidades de imigrantes, o governo, em 1938, criou a Lei da Nacionalização,
através do Decreto-lei nº868, embasado no
Decreto Federal nº 406, de 04 de maio de 1938, que forçava a adaptação dos estrangeiros
à cultura nacional, o qual seria feita pela aprendizagem e uso exclusivo do idioma
nacional, portanto, exigia que todos os
professores fossem naturais do Brasil, exigia que todo o ensino fosse ministrado
em língua portuguesa e proibia a circulação de qualquer material em idioma estrangeiro.
Com a ilegalidade do uso do idioma alemão, foi destruído o suporte para a preservação
da memória e da cultura nas comunidades teutas.
As escolas que não se submeteram a essa lei foram fechadas. O número de escolas
fechadas no país após 1938, chegou a 1.060, com um total de 40.585 alunos matriculados.
A partir de 1939 a política de abrasileiramento
recrudesceu, tornando a assimilação impositiva.
Outros decretos viriam a restringir o ingresso de novos imigrantes no Brasil,
a fim de consolidar o projeto de nacionalização vigente.
Getúlio Vargas vinha a muito
tempo realizando uma política
“pendular”, ora mostrava-se mais próximo aos americanos e aos
Aliados, ora mais próximos aos alemães, com os quais mantinha
intensa relação comercial. A partir de dezembro de 1941, com a entrada dos Estados
Unidos no conflito, a neutralidade brasileira teve que acabar, o que aconteceu em
1942, quando o Brasil rompeu relações com
o Eixo, em 28 de janeiro de 1942. Em 28 de agosto do mesmo ano, o Brasil declarou
guerra ao Eixo, decorrente do torpedeamento de navios brasileiros por submarinos
alemães, levando o país à guerra ao lado dos Aliados.
A Polícia Política, órgão repressor e fiscalizador de Getúlio Vargas, representado
pelo DOPS, tornou-se o verdadeiro elemento de vigilância do Estado Novo. O DOPS
possuía amplos poderes e interferia no cotidiano da população, “construindo” a
imagem do inimigo político. Os estrangeiros se tornaram um dos seus principais alvos,
considerados elementos de “erosão” e “desvios” do projeto étnico e cultural do Estado
Varguista, de uma nacionalidade orgânica e homogênea. O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) fazia
a censura prévia e realizava o controle das notícias e qualquer outra informação
ou opinião vinculada pelos meios de comunicação.
Imigrantes alemães e italianos que aqui residiam vivenciaram no dia a dia
as tensões do conflito. Eram acusados de conspirar em favor do nazi-fascismo e
também foram alvos da crítica jornalística, e, por conseguinte, da própria população
nacional que se referiam aos ítalo-germânicos como “quinta-coluna”.
O então presidente, Getúlio Vargas, intensificou a perseguição e o controle
sobre as comunidades alemãs no Brasil, devido ao receio de qualquer levante do movimento
nazista no país, cuja ameaça, com suposto apoio de grupos teutos na Argentina, era
tido como um perigo real ao Brasil, o chamado “Mito do Perigo Alemão”. Nesse sentido,
várias entidades culturais, esportivas e sociais foram fechadas, tendo suas propriedades
e patrimônio transferido para a administração da Liga de Defesa Nacional.
Existiam no Brasil pelo menos 15 emissoras de rádio que transmitiam noticiários
em português e alemão, feitos em Berlim. As notícias sempre eram positivas e diziam
que a Alemanha estava uma maravilha sob o comando do Führer. A produção industrial
crescia, os alimentos abundavam, o perigo semita estava sendo afastado e , em breve,
a raça alemã estaria toda reunida.
Ainda em 1938, tanto o partido comunista como o nazista foram proibidos no
Brasil. Contudo, antes do decreto de extinção desses partidos começar a valer, Getúlio
chamou o embaixador alemão Karl Ritter para uma conversa. Nessa conversa Getúlio
teria dito ao embaixador que a medida não era punitiva aos alemães, à Alemanha
ou mesmo ao Partido Nazista. A fim de compensar a proibição, o embaixador aceitou
a doação de sacas de café para ajudar o Programa para o Auxílio Alemão de Inverno.
Vale ressaltar que o governo brasileiro nada fez para reprimir as atividades nazistas
até a entrada do Brasil na Guerra , em agosto de 1942, ou seja, mesmo ilegal, o
partido nazista continuou funcionando, tanto é, que em abril de 1942, cerca de 2.000
pessoas realizaram uma passeata nazista, com uniforme, à luz do dia, no centro
da capital catarinense.
É importante ressaltar que as pretensões do NSDAP (Partido nacional
Socialista) no Brasil eram apenas para os alemães e não envolviam qualquer pretensão
territorial conforme o mito da ocupação alemã no sul do Brasil. Contudo, vale salientar
que a prática propagandística do Partido Nazista no Brasil vinha aumentando sensivelmente,
particularmente com subsídio financeiro e
material da Alemanha em escolas alemãs no Brasil, cujo objetivo era a propagação
do ideário nazista entre as comunidades teutas, tido por vezes, como
ostensivamente subversiva e antibrasileira.
O Brasil, país multiétnico, acolhedor de tantas culturas, segundo maior
país no que se refere à imigração alemã, com cerca de 230.000 imigrantes até 1940,
teve nas décadas de 1930 e 1940 uma história singular.
Este período no Brasil foi marcado por grandes transformações, das quais
a maior, refere-se à esfera política. O Estado Novo de Getúlio Vargas, caracterizada
pelo ideal nacionalista, buscou a partir de 1937, criar um pais sem quistos culturais,
onde o “ser brasileiro” fosse mais forte, o que de fato não ocorria em grande parte
das comunidades alemãs existentes no país, as quais, existiam justamente para manter
os laços culturais com a terra mãe, a Alemanha.
A repressão ocorrida contra os alemãe deveu-se a construção do “Mito do Perigo
Alemão”, que estava muito distante da realidade, e que encontrou no ideal nacionalista
do Estado Novo e nas circunstâncias da Guerra os ingredientes ideais para fortalecer
a construção do modelo de inimigo, ao qual, a figura do teuto-brasileiro cabia-lhe
perfeitamente, mesmo sem nunca ter representado uma verdadeira ameaça a segurança
ou a soberania nacional, como supunha a principal articuladora desse ódio, a própria
mídia.
(Fragmentos do trabalho "O Nazismo e a Repressão do Estado Novo aos Teutos-Brasileiros em Curitiba,
no Contexto da Segunda Guerra Mundial", Rony Christian Neitzke, 2013).