18 de abril de 2024

Os Meandros do "Poema em Linha Reta" de Fernando Pessoa (heterônimo Álvaro de Campos)

"Poema em Linha Reta" é uma obra complexa e multifacetada que nos convida a uma profunda reflexão sobre a condição humana. Através da poesia de Fernando Pessoa, somos desafiados a questionar nossas crenças e a buscar um olhar mais autêntico sobre o mundo e nossa própria existência. O poema é um convite à introspecção, à busca por significado e à celebração da vida em toda sua complexa beleza.

 “Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,

Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,

Indesculpavelmente sujo,

Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,

Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,

Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,

Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,

Que tenho sofrido enxovalhos e calado,

Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;

Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,

Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,

Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,

Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado,

Para fora da possibilidade do soco;

Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,

Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo

Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,

Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana

Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;

Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!

Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.

Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?

Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!

Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,

Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca!

E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,

Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?

Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,

Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.”

14 de abril de 2024

Minha Ilusória Jornada no Partido Novo

O ano era 2015 e o Brasil se via imerso em um mar de corrupção. As revelações da Operação Lava Jato expunham a podridão do sistema político tradicional, e a população clamava por mudança. Foi nesse cenário de desilusão que surgiu o Partido Novo, um sopro de esperança para aqueles que ainda acreditavam em um futuro diferente.

Cansado da apatia e da falta de representatividade que dominavam o cenário político, decidi me filiar ao Novo. Pela primeira vez na vida, me senti conectado a um projeto que defendia valores como liberdade, responsabilidade individual e mercado livre. Acreditava que o partido representava uma ruptura com o passado e a oportunidade de construir um Brasil mais justo e próspero.

Apesar de ter pouco tempo livre devido à minha rotina, contribuía com o que podia para o desenvolvimento do partido. Fazia doações, participava de debates online e tentava disseminar as ideias do Novo entre amigos e familiares. Acreditava que cada um poderia fazer a diferença na construção de um futuro melhor.

Dois anos se passaram e finalmente pude me dedicar de corpo e alma à vida partidária. No entanto, o que encontrei foi algo bem diferente do que havia imaginado. O Novo que eu conhecia, idealista e inovador, havia se transformado em um partido imaturo e arrogante.

As decisões eram tomadas por um pequeno grupo de "notáveis", sem espaço para divergências ou debate interno. Minha voz e minhas ideias não importavam. Se discordava da linha oficial, era rotulado como infiltrado ou antipartidário. A intolerância era a regra, e o diálogo, mera ilusão.

Além da falta de democracia interna, me deparei com um ar de superioridade entre os líderes. Acreditavam-se donos da verdade e desprezavam qualquer tipo de ajuda. Para eles, o dinheiro era a chave para o sucesso, e o trabalho duro, mera formalidade. Em uma reunião, um dos líderes declarou sem rodeios: "Eleição se ganha com dinheiro." Essa frase sintetizava a visão pragmática e oportunista que havia tomado conta do partido.

Fiquei chocado com a falta de compromisso com os princípios que me motivaram a me filiar. A busca por poder e a sede por dinheiro haviam corrompido o idealismo inicial. O compadrio e as lideranças marcadas por uma casta financeira dominante dominavam a cena. O Novo, em sua essência, se tornou o "Velho": mais do mesmo, igual aos partidos tradicionais que tanto criticava. A única diferença era a máscara de modernidade e mudança que insistia em usar.

Com o coração apertado, pedi minha desfiliação. Não podia mais compactuar com um projeto que havia se desviado tanto de seus valores fundadores. Hoje, sigo apartidário. Acredito que a mudança virá não de um partido específico, mas da ação individual de cada cidadão.

Minha jornada no Partido Novo foi marcada por esperança, ilusão e, finalmente, decepção. Mas também me ensinou valiosas lições sobre a importância do discernimento, da crítica e da luta por um futuro melhor. A chama da mudança ainda arde em meu coração. E, mesmo sem a bandeira de um partido, continuarei lutando por uma sociedade mais justa, livre e próspera para todos.

A história do autor no Partido Novo serve como um lembrete de que nem tudo que reluz é ouro. É fundamental ter um olhar crítico e discernimento ao se envolver com qualquer projeto político. A mudança social exige mais do que a filiação a um partido; requer o engajamento individual e a luta constante por uma sociedade mais justa e igualitária.

13 de abril de 2024

Reflexões de Um Engenheiro

Duas décadas se passaram desde meu retorno à uma companhia de saneamento. Em 1989, abri mão de uma carreira promissora no serviço público para explorar o mundo corporativo privado. Era jovem e ambicioso, sonhando com novos desafios e aprendizados.

Mas a vida, em suas reviravoltas, felizmente me trouxe de volta ao ponto inicial. Aposentado do mundo corporativo e após ter girado o mundo, decidi voltar à uma companhia de saneamento onde tudo começou, só que agora municipal. Meu objetivo era concluir a carreira como engenheiro, cumprindo um plano que tracei há tanto tempo.

O que encontrei, porém, foi algo completamente diferente do que imaginava. Não era uma empresa, mas sim uma comunidade coesa, com laços que transcendiam o ambiente profissional. O foco aqui não era o saneamento, mas sim o bem-estar das pessoas.

Ao longo da minha carreira nas empresas privadas, sempre me questionei sobre quem era mais importante: o acionista ou os colaboradores. A resposta que obtive em minha última experiência profissional foi frustrante. Uma empresa que prioriza excessivamente as pessoas, sem considerar o resultado do negócio, torna-se tóxica e medíocre.

Vim encerrar minha carreira em uma empresa que achava que o tempo havia mudado a mentalidade dos jovens. Encontrei jovens pouco motivados, sem ambição e que priorizavam interesses pessoais, o parecer ser, em detrimento do trabalho.

Quando saí da companhia estadual de saneamento, meus motivos eram outros. Buscava explorar o mundo, correr riscos e aumentar meus rendimentos. Voltei com uma visão renovada do mundo dos negócios, mas me encontrei em um ambiente arcaico e nepotista, onde a idade e as relações pessoais ditavam as promoções e cargos.

A relação entre os membros da comunidade é tão forte que chega a ser familiar. São comuns namoros e casamentos entre colegas, algo que raramente observei nas empresas privadas, onde a mistura da vida pessoal com a profissional era um assunto delicado.

Tive muita dificuldade em me adaptar a esse ambiente. Enfrentei conflitos pessoais e interpessoais, e hoje me sinto isolado e calado. Apesar disso, continuo me dedicando ao meu trabalho, pois amo ser engenheiro. Sempre esperei por este momento em minha vida profissional, e por isso não desistirei.

Meu objetivo é seguir em frente até o momento em que finalmente possa me retirar e viver o restante da minha vida ao lado da minha esposa, filhas, genros e netos.

Essa experiência me ensinou muito sobre valores e prioridades. Percebi que o equilíbrio entre o resultado e o bem-estar das pessoas é fundamental para o sucesso de uma empresa. Também aprendi que tempo de casa e as relações pessoais não devem ser os únicos critérios para promoções e cargos.

Espero que a empresa prospere e o ser humano floresça, porém, em um ambiente justo e virtuoso.

Mas por enquanto, sigo em frente, com a bagagem dessa experiência singular, grato pela oportunidade de aprender e crescer como profissional e como ser humano.